A cobrança de luvas em contratos de locação comercial tem um tratamento legal específico no Brasil. A Lei do Inquilinato (Lei 8.245/91) regula os contratos de locação, e no âmbito das locações comerciais, a cobrança de luvas é um tema que já passou por várias interpretações.
Contexto Legal:
Originalmente, a cobrança de luvas em contratos de locação comercial, em determinadas situações, era bastante comum. As “luvas” representam um valor pago pelo locatário ao locador como uma espécie de compensação por obter o direito de uso do ponto comercial.
Porém, a Lei 8.245/91, em seu art. 45, proíbe expressamente a cobrança de luvas na renovação compulsória de contratos de locação comercial:
- Art. 45 da Lei 8.245/91:
“São nulas de pleno direito as cláusulas do contrato de locação que visem a elidir os objetivos da presente lei, notadamente as que proíbam a prorrogação prevista no art. 47, ou que afastem o direito à renovação, na hipótese do art. 51, ou que imponham obrigações pecuniárias para tanto.”
Portanto, a cobrança de luvas não é permitida na hipótese de renovação compulsória de contrato de locação comercial, quando o locatário tem o direito de pedir a renovação do contrato, nos termos da Lei do Inquilinato.
Exceções e Jurisprudência:
Contudo, na primeira locação (ou seja, quando o contrato de locação é celebrado pela primeira vez), a prática de cobrança de luvas não é ilegal. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) e outros tribunais já reconheceram que, em contratos iniciais, se acordado entre as partes, o pagamento de luvas é válido. Nessa situação, as luvas podem ser vistas como uma compensação pelo fundo de comércio, especialmente em áreas de grande movimento ou estabelecimentos com tradição.
Jurisprudência do TJSP:
O Tribunal de Justiça de São Paulo tem várias decisões em que permite a cobrança de luvas em contratos iniciais de locação comercial, desde que haja acordo entre as partes.
- Nesse Sentido TJSP:
CONTRATOS DE CESSÃO DE DIREITOS E DE LOCAÇÃO DE ESPAÇO EM SHOPPING CENTER – AUTOR LOCATÁRIO QUE PRETENDE REAVER O MONTANTE PAGO A TÍTULO DE “LUVAS” – PRETEXTO DE TER A RÉ INFRINGIDO OBRIGAÇÕES ASSUMIDAS EM CONTRATO – NÃO CABIMENTO – COBRANÇA DE “LUVAS” NO INÍCIO DA LOCAÇÃO – POSSIBILIDADE – INADIMPLEMENTO ATRIBUÍDO À APELANTE QUE, AINDA QUE REPUTADO VERDADEIRO, NÃO SE QUALIFICA COMO FUNDAMENTO PARA AUTORIZAR A RESTITUIÇÃO DA ALUDIDA VERBA – AÇÃO POPULAR JULGADA PELO TRF QUE RECONHECEU A VALIDADE DO CONTRATO DE CESSÃO FIRMADO ENTRE A UNIÃO E O MUNICÍPIO DE SÃO PAULO – SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. RECURSO PROVIDO. (Grifo Nosso)
(TJSP; Apelação Cível 1137084-51.2022.8.26.0100; Relator (a): Andrade Neto; Órgão Julgador: 32ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível – 10ª Vara Cível; Data do Julgamento: 31/07/2024; Data de Registro: 31/07/2024)
Sobre o tema, confira-se julgado do Superior Tribunal de Justiça:
“DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. LOCAÇÃO. LUVAS. CONTRATO INICIAL. COBRANÇA. POSSIBILIDADE. PRECEDENTE DO STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL COMPROVADO. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO. 1. Não há ilegalidade na cobrança de luvas em contrato inicial de locação. Inteligência dos arts. 43, I, e 45 da Lei 8.245/91. Precedente do STJ. 2. Dissídio jurisprudencial comprovado. 3. Recurso especial conhecido e provido.
(REsp nº 1003581/RJ, 5ª Turma, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, j. 04/12/2008, DJe 02/02/2009). (Grifo Nosso)
Conclusão:
Portanto, no primeiro contrato de locação comercial, é possível pactuar a cobrança de luvas. Já na renovação compulsória, essa prática é proibida.
TÉRMINO DO PRAZO DA LOCAÇÃO – INQUILINO QUE NÃO AJUIZOU AÇÃO RENOVATÓRIA E A COBRANÇA DE LUVAS
Agora, vamos imaginar a hipótese de um Locatário que, tendo contrato de cinco anos e preencha todos os requisitos do artigo 51 da Lei 8.245/91, deixou expirar o prazo para ajuizamento da ação de renovação compulsória. Nessa hipótese, para que um novo período de locação seja negociado com esse inquilino, a cobrança de Luvas será permitida? É o que vamos abordar nas linhas seguintes.
Se o inquilino deixar expirar o prazo para a propositura da ação renovatória, ele poderá ficar sujeito à cobrança de luvas em uma nova negociação do contrato, uma vez que ele perdeu o direito à renovação compulsória garantida pela Lei do Inquilinato.
Explicação:
O artigo 45 da Lei 8.245/91 proíbe a cobrança de luvas na renovação compulsória de contrato, desde que o locatário ajuíze a ação renovatória no prazo legal. A ação renovatória deve ser proposta dentro do período de 1 ano a 6 meses antes do fim do contrato (art. 51, II, da Lei 8.245/91).
Caso o locatário não apresente a ação renovatória dentro do prazo, ele perde o direito à renovação compulsória do contrato. Nesse cenário, o contrato não está mais protegido pelas regras de renovação obrigatória prevista no artigo 51 da lei 8.245/91, e o locador passa a ter maior liberdade para negociar os termos de um novo contrato, inclusive com a cobrança de luvas, caso as partes decidam celebrar um novo acordo locatício.
Situação após o vencimento do prazo da ação renovatória:
Se o locatário não ajuizar a ação renovatória no prazo legal, o contrato passará a viger por tempo indeterminado, e o locador poderá:
- Reaver o imóvel, não sendo obrigado a renovar o contrato, mediante simples notificação comunicando a intenção de retomada e conceder 30 dias para desocupação voluntária.
- Exigir o pagamento de luvas para a celebração de um novo contrato de locação.
- Alterar os termos e condições da locação, inclusive o valor do aluguel.
Jurisprudência:
Há decisões nos tribunais, inclusive no TJSP, que reconhecem a possibilidade de cobrança de luvas quando o contrato é renegociado após o término do prazo sem a ação renovatória, uma vez que o locador não está mais obrigado a manter as condições do contrato anterior.
Um exemplo de jurisprudência pode ser encontrado no seguinte caso:
“Locação de imóvel não residencial – Casa lotérica localizada em hipermercado – Ação de obrigação de fazer com pleito cumulado de restituição de valores – Demanda de empresa locatária em face de empresas locadoras – Sentença de extinção do processo no tocante ao pedido de renovação da locação, e de improcedência quanto à restituição de valores e cancelamento dos boletos de cobrança emitidos – Manutenção do julgado – Cabimento – Arguição preliminar de nulidade do julgado, por falta de fundamentação – Descabimento – Alegação da autora/locatária no sentido de que deve ser determinada a renovação da locação, sem cobrança de “luvas” – Inconsistência fática e jurídica – Contrato de locação firmado pelo prazo de 03 (três) anos em 2001, mas prorrogado por tempo indeterminado – Posterior aditamento do contrato, com cobrança de “taxa de adesão” – Ausência dos requisitos elencados no art. 51, da Lei de Locações Imobiliárias – Inexistência de abusividade na conduta das rés – Descabido e extemporâneo pedido de renovação locatícia – Ausência do dever de restituição – Legitimidade dos boletos emitidos – Correta constatação. Apelo da autora desprovido.”
(TJSP; Apelação Cível 1059926-27.2016.8.26.0100; Relator (a): Marcos Ramos; Órgão Julgador: 30ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível – 29ª Vara Cível; Data do Julgamento: 18/10/2017; Data de Registro: 19/10/2017)
Do julgado citado acima, extraímos um trecho que corrobora a tese de que a cobrança de luvas não é ilegal, se o Inquilino possuía contrato de cinco anos ou mais e deixou o contrato inicial ser prorrogado por tempo indeterminado sem exercer o seu direito na ação renovatória, vejamos:
“Ademais, não se nota a presença dos requisitos elencados no art. 51, da Lei nº 8.245/91, relativos ao direito à renovação.
Sem necessidade de maiores comentários, tenho que o digno Magistrado da causa houve por bem, e com acerto, julgar improcedente a pretensão deduzida na inicial.
Resta patenteado nos autos que o contrato foi prorrogado por prazo indeterminado, certo que somente houve singelo aditamento contratual para readequar as cláusulas contratuais, com fixação de novo prazo para a locação, conforme interesse livremente manifestado por ambas as partes.
Assim, haja vista a existência da locação por prazo indeterminado e ante ao aditamento firmado entre as partes, não há embasamento jurídico para o pleito renovatória da locação, do que decorre a correta extinção do feito quanto a esse pedido.
No mais, tenho também que a taxa de adesão cobrada pelas rés não constitui obrigação pecuniária imposta para a renovação da locação, inexistindo, portanto, infringência ao art. 45 da Lei nº 8.245/92.” (Grifo nosso)
Conclusão:
Se o locatário perde o prazo para propor a ação renovatória da locação, nos termos do artigo 51 da Lei 8.245/91, perde a proteção da lei ao ponto comercial, além de não ter direito da renovação compulsória, nessa hipótese, a cobrança de luvas não será proibida, pois, são nulas de pleno direito as cláusulas do contrato de locação que visem a elidir os objetivos da presente lei, notadamente as que proíbam a prorrogação prevista no art. 47, ou que afastem o direito à renovação, na hipótese do art. 51, ou que imponham obrigações pecuniárias para tanto.
Assim, se o Inquilino deixou de exercer o direito previsto no artigo 51 da lei do inquilinato e o seu contrato se prorrogou por tempo indeterminado, não há se falar em direito a renovação, e o locador passa a ter liberdade de negociar novas condições, inclusive a cobrança de luvas para negociar novo período de locação com o inquilino. Essa prática é permitida quando não há o direito à renovação compulsória em vigor, já que a ilegalidade na cobrança de luvas só é reconhecida quando essa cobrança visa elidir os objetivos previstos na Lei de Locações.
Importante observar que o entendimento do E. TJSP, sempre se refere a legalidade da cobrança de luvas, desde que no primeiro contrato. Contudo, esse entendimento foi pacificado, baseado no fato de que a cobrança de luvas para uma renovação contratual, seria proibida se implicasse em infração aos termos do artigo 45 da Lei de Locações.
Na hipótse do inquilino que deixou vencer o prazo contratual sem o ajuizamento da ação renovatória, ele perdeu a proteção da lei, inclusive, perdeu o direito ao ponto comercial, pois, o E. TJSP, também possui entendimento pacificado que sem o dirieto a renovação compulsória não há se falar em direito de indenização do ponto comercial. Mas esse será um tema que vamos abordadar em outro artigo.
Esperamos ter colaborado positivamente no esclarecimento de questões ligadas ao tema.
Ulisses T. Leal – OAB/SP 118.629
“A fonte de informação utilizada para esse artigo foi o texto da Lei 8.245/91, encontrado no site “https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8245.htm“ e julgados do TJSP – “site https://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/consultaCompleta.do” 15.10.2024 – 15h16m